Era inverno de um frio úmido que caía uma garoa fina sobre a
cidade. Mas Lucineide não podia faltar ao seu oficio de dar prazer aos homens e
mulheres que a procuravam. Na sua cabeça sonhadora, o seu trabalho tinha o
propósito de cuidar das carências e fechar as feridas daqueles seres que tinham
olhos puros mas mão calejadas. Mesmo com a dor exposta, o olhar era de uma
criança que se perdeu da mãe. Que se perdeu na mudança. Debaixo de um casaco de
pele já carcumido pelas traças, ela trazia uma lingerie de renda vermelha toda
transparente. Já não era mais moça, mas ainda tinha um brilho de encantamento
pela vida. Como se transformou nessa mulher da vida eu não sabia. Isso não demonstrava.
Guardava dentro dela as angustias dos amores não vividos e
sonhos que não foram encantados. Prostituta por ofício. Mas não desgrudava de
um terço de contas vermelhas que sempre trazia no pescoço. No fundo, era uma
prostituta beata. Às vezes, rezava.
Mas Lucineide parecia viver em um mundo só dela. Um mundo de
contos de fada.